William Faulkner, escritor americano do sec. XX, tem a si atribuída uma expressão que dizia: “Ninguém poderá navegar rumo a novos horizontes até que tenha a coragem de perder de vista a terra firme”.
O que o escritor pretendia demonstrar com esta frase era precisamente a palavra chave de qualquer mudança e qualquer revolução, coragem. Sem ela o mundo não se transformaria, não deixaria de ser como é para passar a ser um lugar melhor, mais justo e mais pacífico, e para tal, era necessário deixar para trás a terra firme, e sujeitarmo-nos à bravura dos mares e à violência das tempestades.
Na história da nossa freguesia houve incontáveis actos de coragem e bravura, levados a cabo por homens e mulheres que igualmente mereceriam ver o seu nome na história. Pessoas comuns, com vidas comuns, que nasceram, cresceram e viveram na nossa terra, cujos actos de coragem vivem em algumas das histórias que ainda, a custo, vão sobrevivendo de boca em boca.
Hoje falamos de José Adelino dos Santos, um homem nascido e criado no Escoural, cujo nome podemos ver em várias ruas de outras localidades do Alentejo e até na cidade de Setúbal.
José Adelino dos Santos, nascido em 1912, viveu, como muitos, durante o periodo negro da ditadura do Estado Novo. Sentiu a repressão, a censura, a perseguição, a tortura e a constante desconfiança que se vivia em todos os momentos da vida quotidiana.
Cedo despertou para a acção anti-fascista, porque cedo entendeu que, nem ele, nem nenhum outro português eram merecedores das injustiças constantes que os subjugavam e oprimiam, que lhes roubavam a liberdade e os condenavam à miséria e ao silêncio.
Coragem foi a qualidade que nunca faltou a José Adelino dos Santos, pois essa, era altamente necessária num regime que punia severamente os audazes com a prisão, com a tortura, com a morte.
José pagou o preço da sua coragem, conheceu as prisões do Aljube, de Caxias e de Peniche das duas vezes que esteve preso nos anos 40 por levar a cabo acções anti-regime.
Num país de analfabetos ensinou a ler e a escrever a vários rapazes e raparigas, oferecendo-lhes a maior das armas contra um regime totalitário, a educação.
A 23 de Julho de 1958, no largo das traseiras da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, José Adelino dos Santos liderava uma manifestação de cerca de 200 pessoas contra a fraude eleitoral que impediu Humberto Delgado de assumir a presidência da República, ao mesmo tempo que se clamavam por melhores salários e condições de trabalho.
Em determinado momento surge um tiro. Ouvia-se um disparo de uma das janelas do edifício da Câmara Municipal. A multidão acotovela-se na algazarra por abrigo. José Adelino dos Santos jaz caído numa poça de sangue que cobre a calçada. Uma bala na nuca fez um homem de coragem e luta tombar sem vida a zelar pelo bem comum.
Ainda hoje podemos visitar no local a pedra gravada que o homenageia a si e à sua audácia, pedra essa, poeticamente rachada pelo tempo, como que dizendo que a morte do corpo nunca fará morrer o ideal.
José Adelino dos Santos, no sentido do que dizia William Faulkner, não teve medo de navegar rumo a novos horizontes sabendo que o preço da bravura dos mares e da violência das tempestades poderia ser alto, como foi, todavia, em si prevaleceu sempre a coragem.
Coragem essa, de um escouralense, como muitos, que não vergou.